Direitos dos licitantes
Prescrição é direito e ponto

Como quem advoga com Direito Público, acompanho constantemente as questões em torno da prescrição. Confesso que nunca compreendi com facilidade a resistência em admitir a possibilidade de sua aplicação, mesmo diante das primeiras interpretações objetivamente razoáveis do §5º do art. 37 da Constituição Federal.

A prescrição do ressarcimento ao erário é atualmente reconhecida pelo STF ao menos em três temas de repercussão geral: ressarcimento fundado em decisão de Tribunal de Contas (899), em improbidade administrativa, exceto se comprovado o dolo (897) e danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil (666).

No âmbito do Tribunal de Contas da União (“TCU”), em 2022 a prescrição foi regulamentada pela Resolução-TCU 344, de 11 de outubro (“Resolução 344”).

Contudo, recentemente me depararei, pasma, com a leitura do Acórdão 2770, de 13 de dezembro de 2022 (“Acórdão 2770”) – ainda não revisto até a edição deste artigo -, por meio do qual o Plenário do TCU negou a possibilidade de se discutir a aplicação da prescrição, sem observar as disposições da Resolução 344 por ele próprio editada.  A negativa decorreu do entendimento de haver, naquele caso concreto, rediscussão, em sede de embargos de declaração, de matéria de ordem pública já deliberada.

Tal entendimento, além de violar expressamente a Resolução 344, contrariou precedentes contemporâneos da própria corte, nos quais se reconheceu a aplicação da Resolução 344, inclusive de ofício, em qualquer fase ou grau (Acórdãos 9266/2022, 9260/2022, 7968/2022, 7924/2022, 7862/2022 e 7722/2022, todos da 1ª Câmara; e Acórdãos 2615/2022 e 85/2023, do Plenário, e outros).

Prescrição é – e sempre será – matéria de ordem pública, de forma que, sua discussão invariavelmente se dará por via de um recurso, seja de que tipo for, especialmente porque pode ser discutida em qualquer fase – e também de ofício. Por isso é absurdo que prevaleça esse tipo de entendimento de que não caberia a discussão em sede de embargos de declaração.

Naquela ocasião, discutia-se a possibilidade de aferição da prescrição em situação julgada anteriormente à vigência da Resolução 344, quando vigorava a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário (Enunciado 282 do TCU).  No entanto, obviamente, com a entrada em vigor da Resolução 344, e havendo processo em curso, a aplicação desta é obrigatória, sendo possível concluir pela inaplicabilidade do referindo Enunciado.

Esse tema da aplicação é regulado no art. 10 da Resolução 344, que fixa o cabimento de se aferir a ocorrência da prescrição em qualquer fase do processo, de ofício ou por provocação da parte. A única exceção originalmente prevista na Resolução se referia às dívidas já encaminhadas pelo TCU para cobrança judicial, que não era o caso então em discussão.

Recentemente, esse artigo foi alterado pela Resolução nº 367, de 13/03/24, deixando clara a aplicação da prescrição a todos os processos que podem ser revistos pelo TCU, independentemente do eventual envio para cobrança executiva ou do ajuizamento da respectiva ação de execução, com originalmente se previa.

Com a nova redação do art. 10, o TCU somente deixará de se manifestar sobre a prescrição se o acórdão condenatório tiver transitado em julgado há mais de cinco anos (prazo legal para o recurso de revisão, art. 35 da Lei 8.443/1992 ) ou se os critérios de prescrição, conforme estabelecidos na Resolução 344, já tiverem sido considerados em recursos anteriores.

Portanto, na atualidade, especialmente após a Resolução 344 e alterações, praticamente não há fundamento que impeça a discussão da prescrição do ressarcimento ao erário em processos do TCU, salvo as únicas exceções expressas conforme acima.

A Resolução 344, com acerto, foi editada pelo TCU em decorrência e em sintonia com a jurisprudência do STF, considerando a necessidade de previsibilidade jurídica, conforme bem comentado pelo Min. Antônio Anastasia, relator da norma. Nesse cenário, negar a possibilidade de aferição da prescrição pelas razões contidas no Acórdão 2770, contraria não apenas a Resolução 344 do próprio TCU mas também as teses vinculantes do STF.

O aprimoramento da Resolução 344 também abrange as seguintes principais alterações:

(i) acréscimo do § 5º ao art. 5º: fixou-se que a interrupção da prescrição em razão de notificação, oitiva, citação ou audiência (inciso I do mesmo artigo) tem efeitos somente quanto aos responsáveis destinatários das respectivas comunicações;

(ii) acréscimo do § 3º ao art. 8º: especificou-se que marco inicial de contagem do prazo da prescrição intercorrente é a ocorrência do primeiro marco interruptivo da prescrição ordinária previsto no art. 5º, de forma que, a partir do primeiro ato inequívoco de apuração do fato, o processo não pode ficar paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho.

(iii) alteração do art. 6°: houve restrição e aprimoramento da aplicação de marcos interruptivos de outros processos, mediante a inclusão do fato “conexo” – que esteja na linha de desdobramento causal da irregularidade ou do dano em apuração – e da vedação ao empréstimo de marcos interruptivos de inquéritos ou processos judiciais civis ou criminais;

(iv) revogação expressa do art. 18: as recentes discussões do tema 899 do STF tem levado à sua aplicação retroativa pelo Judiciário, de forma que impedir a aplicação das regras da Resolução 344 em processo transitado em julgado quando de sua publicação em 10/10/2022, como constatava do dispositivo, teria potencial de gerar inúmeros processos de execução desnecessários.

No contexto de uma Administração Pública contemporânea e eficiente, a aplicação da prescrição conforme constitucionalmente interpretada e regulamentada, deveria ser algo efetivamente almejado pelo controle externo, pois a todos beneficia. Não só porque legitimamente exime os administrados de ficarem eternamente subjugados à inércia daqueles que deveriam agir, mas também porque impõe o uso dos meios necessários para apurar o que for preciso, no tempo devido, sob pena de sofrer as consequências da inércia, tal como disposto no art. 13 da Resolução.

Nesse cenário, por quantos mais outros argumentos supostamente técnicos tentarão fragilizar o direito à prescrição? Vamos ficar de olho.

Nossa equipe está preparada para tratar deste e de outros temas. Em caso de dúvida, fale conosco pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone +55 31 988117191.

ampulheta
Direitos dos licitantes
Prazo tem limite
AdobeStock_572899374_Preview
Decisões importantes
Parcelamento e subcontratação
AdobeStock_650571979_Preview
Direitos dos licitantes
Enfrentamento da calamidade no RS
vazia
Decisões importantes
Improbidade, ampla defesa e gênero
ampulheta
Direitos dos licitantes
A urgência não autoriza a ilicitude
AdobeStock_490228623_Preview
Direitos dos licitantes
Preço de mercado e orçamento de fornecedores