Por determinação constitucional, admite-se a dispensa de licitação em hipóteses legais expressas[1]. A Lei 14.133/2021 (“NLLC”) previu essas hipóteses e aprimorou a regulação, impondo, com relação à contratação direta por emergência, algumas exigências:
Os entes públicos, ao decretarem situação de emergência em seus territórios, costumam impor algumas regras mais específicas para as contratações necessárias.
Cite-se os seguintes decretos relacionados à epidemia de Dengue recente: Decreto 45.448, de 25/01/2024,[2] do Distrito Federal; Decreto 63.266, de 18/03/2024[3], do Município de São Paulo, que também autorizou a prorrogação de contratações que favoreçam o combate ao mosquito, a assistência à saúde dos pacientes acometidos pelas enfermidades respectivas, bem como as ações de vigilância epidemiológica.
Há muitos outros decretos nesse sentido e cada ente tem competência para estipular suas próprias regras. De todo modo, conforme se extrai desse tema no Manual do TCU (p. 726 e seguintes), os entes devem observar, no que couber, as normas gerais, os princípios e os objetivos das licitações,[4] em especial:[5]
Catástrofes relativamente recentes não nos deixam esquecer que, uma situação de emergência não pode ser um cheque em branco para a celebração de contratos ao arrepio dos normativos aplicáveis[6].
Isso porque, muito embora atualmente algumas normas qualifiquem juridicamente o pragmatismo próprio da dinâmica cotidiana dos enfrentamentos a que está sujeito o gestor público,[7] é certo que a legislação aplicável não permite que a ocasião faça o ladrão.
Assim sendo, mesmo em caso de emergência decretada, será sempre preciso observar as exigências mais elementares aplicáveis aos contratos administrativos, a fim de construir processualmente a motivação da dispensa de licitação. Isso incluiria, no mínimo, as seguintes providências:
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[1] “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (g.n.)
[2] “Art. 1º (…) § 1º A situação de emergência de que trata este Decreto autoriza a adoção de todas as medidas administrativas necessárias à contenção da epidemia, em especial, a aquisição pública de insumos e materiais e a contratação de serviços estritamente necessários ao atendimento da situação emergencial, respeitada a legislação em vigor.
(…) Art. 3º. (…) Parágrafo Único. Respeitadas as disposições da Lei 14.133, de 1ª de abril de 2021, serão firmados os contratos emergenciais necessários ao combate da presença do mosquito transmissor do vírus da dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika e atual infecção intensificada da dengue e outras arboviroses, inclusive com a adoção de novas tecnologias.” (g.n.)
[3] “Art. 2º A situação de emergência de que trata o artigo 1º deste decreto autoriza:
I – a adoção de todas as medidas administrativas necessárias à contenção de arboviroses, em especial:
a) a aquisição de insumos e materiais, a doação e a cessão de equipamentos e bens;
b) a contratação de serviços estritamente necessários ao atendimento da situação emergencial;
II – a prorrogação, na forma da lei, de contratos e convênios administrativos que favoreçam o combate ao mosquito transmissor dos vírus da Dengue e de outras arboviroses, a assistência à saúde dos pacientes acometidos por essas enfermidades e as ações de vigilância epidemiológica, de acordo com a necessidade apurada pelas áreas técnicas da Secretaria da Saúde.1º Aplica-se, às providências de que trata o inciso I do “caput” deste artigo, o disposto no artigo 75, inciso VIIIe § 6º, da Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021. (…)”
[4] E também por força de disposições expressas, tais como o art. 92, II, da NLCC, que impõe, como cláusula obrigatória de um contrato direto, sua vinculação ao ato que a autorizou, e o art. 89 da NLCC, que expressamente invoca a aplicação dos preceitos de direito público aos contratos administrativos regidos pela NLCC.
[5] Art. 37, XXI, Constituição Federal e art. 11 da NLLC.
[6] A Operação Mar de Lama, por exemplo, de conhecimento público e notório, originou-se de denúncias contra dispensas supostamente ilegais de licitação formalizadas por emergência. Vale também relembrar a disciplina normativa por meio da qual se regulamentou as contratações para o enfrentamento da COVID-19, normatizando a possibilidade de dispensar um ou mais requisitos de habilitação, se fosse comprovada restrição de fornecedores: “Artigo 4º-F. Na hipótese de haver restrição de fornecedores ou de prestadores de serviço, a autoridade competente, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal ou, ainda, o cumprimento de 1 (um) ou mais requisitos de habilitação, ressalvados a exigência de apresentação de prova de regularidade trabalhista e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.” (Lei Nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020: Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019)
[7] “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.” (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB – Decreto-Lei 4.657/42).
“Art. 1º. (…) § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.” (Lei 8.429/92, atualizada pela Lei 14.230/2021 – Lei de Improbidade Administrativa)